Quando se trata de saúde pública, há pouca margem para erro. As repercussões
podem ser sérias, para não dizer mortais, e permanecer por muito
tempo
na memória da população.
Embora os avanços tecnológicos e legislativos tenham ajudado a acabar com
alguns problemas na área médica, recentes casos de grande repercussão mostram
que na indústria farmacêutica altamente competitiva e orientada a lucros – e na
área de saúde pública mais amplamente – crises e escândalos continuam a ser uma
ameaça para nós.
De erros genuínos a histeria movida pela mídia e enganos intencionais e até
mesmo maliciosos, confira escândalos médicos e outros desastres de saúde da
história da medicina:
10. Vacina MMR e autismo
Reclamações sobre a ligação da vacina MMR (para sarampo, caxumba e rubéola)
com autismo fizeram manchetes no Reino Unido no final dos anos noventa. Em 1998,
o cirurgião e pesquisador inglês Andrew Wakefield liderou um grupo que publicou
um artigo na altamente conceituada revista médica Lancet mostrando evidências
que ligavam a vacina a transtornos de desenvolvimento.
As reivindicações de Wakefield levaram a uma série de estudos importantes, e
nenhum dos quais provou qualquer ligação. No entanto, o artigo já havia incitado
um frenesi da mídia e levou a prejuízos, processos, além de prejudicar a saúde
das crianças cujas mães ficaram com medo de vaciná-las. Preocupações sobre a
vacinação chegaram até mesmo em outros países, como os Estados Unidos e o
Japão.
Com a diminuição das taxas
de vacinação MMR registrada no Reino Unido e na Irlanda, houve aumentos
significativos de casos de – e mortes relacionadas com – caxumba e sarampo. Em
2004, uma
investigação revelou finalmente que Wakefield havia manipulado as
evidências de seu “trabalho cientifico”, além de ter vários conflitos de
interesses que não foram divulgados. O artigo foi totalmente retirado de
publicação em 2010, mesmo ano em que Wakefield foi expulso do General Medical
Council. O
consenso
científico agora afirma que não há ligação entre o autismo e a vacina
MMR.
9. Esquema de transplante de rim ilegal
Em 2008, a Índia ficou chocada quando um esquema de transplante de rim ilegal
foi exposto na cidade de Gurgaon, no estado de Haryana. Descobriu-se que
centenas de trabalhadores pobres foram intimidados por homens armados ou
enganados a “doar” órgãos, e as autoridades acreditavam que os destinatários
tinham sido indivíduos ricos – incluindo estrangeiros.
Ao longo de um período de 10 anos, cerca de 600 transplantes de rins foram
realizados numa casa particular equipada com alta tecnologia médica. Depois de
uma batida policial em janeiro de 2008, vários criminosos foram presos e cinco
doadores involuntários salvos e transferidos para um hospital próximo.
Surpreendentemente, foi descoberto mais tarde que no mínimo de dois hospitais
estavam envolvidos no esquema.
Pensa-se que as vítimas recebiam uma oferta de cerca de 50.000 rúpias (R$
1.820) pelos seus rins. Se elas recusassem, eram drogadas e seus órgãos
removidos à força, e vendidos mais tarde por até 10 vezes o preço acima
mencionado. Logo após a invasão policial, alguns receptores de rim foram
detidos, incluindo três cidadãos gregos e um casal indiano que morava nos
EUA.
8. O cavalo Jim e o tétano
A contribuição do cavalo Jim para salvar vidas no final do século 19 não pode
ser questionada. O soro sanguíneo do animal foi concebido para produzir a
antitoxina da difteria e usado para fabricar mais de 26,5 litros de anticorpos
utilizados contra essa doença contagiosa do trato respiratório, potencialmente
mortal especialmente para crianças pequenas.
Em seguida, no início de outubro de 1901, Jim recebeu uma péssima notícia:
tinha contraído tétano. Por conta disso, teve que ser sacrificado. Na mesma
época, no entanto, uma menina de St. Louis (EUA) morreu, e descobriu-se que o
soro de Jim tinha causado sua morte. Posteriormente, foi revelado que o soro
retirado do cavalo de 30 de setembro em diante estava infectado com tétano em
fase de incubação.
As amostras não tinham sido testadas – um processo que poderia facilmente ter
descoberto a infecção. Além disso, frascos de soro obtidos em 30 de setembro
haviam sido marcados como “24 de agosto”, erro que custou a vida de mais 12
crianças. O episódio contribuiu em parte para a criação de uma lei de controle
biológico nos Estados Unidos em 1902, e abriu o caminho para a introdução da
Administração de Drogas e Alimentos americana (FDA, na sigla em inglês) em
1906.
7. Recall de heparina
Em 2008, a FDA anunciou um recall em grande escala do medicamento heparina,
após descobrir lotes contaminados da droga que haviam sido fabricados na China
pela Scientific Protein Laboratories, uma empresa dos EUA. A heparina é injetada
em muitas pessoas para prevenir coágulos sanguíneos e é derivada de tecidos de
animais abatidos, como intestinos de vacas e pulmões de porcos.
O recall seguiu relatórios que alegavam que 81 mortes e 785 lesões graves
estavam ligadas à droga. Investigações identificaram um contaminante no
medicamento, derivado de sulfato de condroitina, que pode ser utilizado como
suplemento dietético, mas não como remédio. Pior de tudo: várias razões levaram
as autoridades a crer que a contaminação foi deliberada, incluindo o fato de que
o contaminante imita o efeito da heparina, mas custa apenas uma fração do seu
preço.
O motivo para a contaminação foi provavelmente uma combinação de corte de
custos e falta do tipo certo de porco na China. No início de 2012, a FDA
adicionou 22 fornecedores chineses de ingredientes de heparina a uma lista de
alerta, e declarou que não tem dinheiro nem poder suficiente para inspecionar
tais fabricantes no exterior em uma base regular.
6. Desastre do “elixir de sulfanilamida”
A Lei Federal de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos (FDCA) dos EUA entrou
em vigor em 1938, e deu à FDA o poder de supervisionar a segurança de alimentos,
medicamentos e cosméticos no país. De certa forma, o desastre “elixir de
sulfanilamida” de 1937 (e o clamor público que gerou) contribuíram para sua
realização.
Mais de 100 pessoas foram envenenadas e morreram quando sulfanilamida, um
antibiótico, foi dissolvido em dietilenoglicol (DEG) e comercializado como
Elixir de Sulfanilamida. Apesar de relatos indicarem que o DEG era perigoso para
seres humanos, tal informação não era amplamente conhecida, e o
farmacêutico-chefe da fabricante de medicamentos S. E. Massengill fazia parte da
maioria desinformada. Na época, não havia regras que exigiam testes de segurança
em novos medicamentos antes de irem à venda. E, enquanto empresas farmacêuticas
faziam rotineiramente testes em animais, a Massengill não tinha realizado nenhum
neste caso.
Logo após o elixir com sabor framboesa chegar ao mercado em setembro de 1937,
houve relatos de mortes. Investigações posteriores isolaram a causa. O escândalo
levou à aprovação da FDCA, mas a companhia Massengill só foi sujeita a uma multa
mínima devido às estipulações da lei anterior, de 1906. Ainda assim, com
julgamento pendente, o farmacêutico-chefe tirou a própria vida.
5. Falta de higiene e meningite fúngica
Em outubro de 2012, o
Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA seguiu a trilha de um
surto de meningite fúngica à
contaminação de medicamentos administrados como injeções esteroides epidurais.
Empacotado e vendido pela farmácia com sede em Massachusetts (EUA) New England
Compounding Center (NECC), os medicamentos estragados tinham sido enviados para
75 clínicas, hospitais e centros cirúrgicos em 23 estados americanos. Entre maio
e setembro do mesmo ano, cerca de 14 mil pacientes receberam a medicação.
Enquanto as pessoas relataram sintomas em agosto, a infecção era tão estranha
que uma causa comum não foi suspeita até o mês seguinte. Na verdade, os casos de
meningite atribuídos às variedades de fungos implicados eram tão raros que sua
descoberta e tratamento médico exploraram território novo.
Em meados de janeiro de 2013, 678 pessoas haviam contraído a doença fúngica e
44 morreram. Investigações preliminares descobriram que falta de higiene no NECC
era a culpada pelo surto. Autoridades descobriram que o NECC havia distribuído a
droga apesar de ainda estar esperando resultados de testes que indicariam se o
lote estava ou não estéril. Até 15 de dezembro de 2012, mais de 400 processos
judiciais foram lançados contra a empresa.
4. Implantes explosivos
Fundada em 1991, a empresa francesa Poly Implant Prothese (PIP) vendeu
implantes mamários por quase duas décadas. Em seu auge, fabricou 100.000
implantes por ano, fornecendo um total estimado de 400.000 mulheres em todo o
mundo. Então, em 2009, cirurgiões franceses começaram a relatar números altos de
implantes PIP que tinham rompido.
Os acontecimentos que se desenrolaram foram dramáticos. Verificou-se que, em
2001, a PIP tinha começado a usar silicone de grau industrial não autorizado na
fabricação da maior parte de seus implantes, em vez do silicone de grau médico
recomendado. Isto reduz o custo de fabricação dos implantes por 90%, mas aumenta
a possibilidade de ruptura, que pode causar inflamação, irritação e liberação de
substâncias tóxicas no corpo. E, enquanto não houve nenhuma relação comprovada
ainda, 20 mulheres com implantes franceses supostamente defeituosos foram
diagnosticadas com câncer.
3. Xarope venenoso
Em 2007, 70 anos depois do infame escândalo do Elixir de Sulfanilamida nos
EUA, um surto semelhante causou a trágica perda de centenas de vidas no Panamá.
Fabricantes de produtos farmacêuticos utilizaram dietilenoglicol, comumente
usado em anticongelantes e fluido de freio, para fazer xarope para tosse,
acreditando equivocadamente que era glicerina. O ingrediente levou a nada menos
do que 365 mortes no país, e foi rastreado até a China.
Descobriu-se que o dietilenoglicol importado utilizado foi originalmente
denominado “TD glicerina”, que na China aparentemente indica que é um substituto
de glicerina. A China negou qualquer responsabilidade pelo escândalo, já que o
nome do produto foi alterado para “glicerina” na chegada do líquido ao Panamá.
No entanto, o jornal americano The New York Times descobriu mais tarde que o
fabricante chinês não era sequer licenciado para fazer ingredientes
farmacêuticos.
Além disso, este tipo de contaminação não é incomum. Em 2009, foi relatado
que 84 bebês, se não mais, morreram na Nigéria após ingerir xarope para a tosse
que também se acredita ter sido contaminado com dietilenoglicol.
2. Sangue sem tratamento térmico e AIDS
O Japão não teve nenhum relato oficial de HIV até 1985, quatro anos após a
doença ser identificada em Los Angeles. Em 1983, o Ministério de Saúde do Japão
foi informado sobre um produto de sangue tratado termicamente licenciado nos EUA
que podia matar o HIV (tornando sangue utilizado medicamente mais seguro).
Quando aberturas foram feitas para licenciar o produto no Japão, o principal
fornecedor de produtos derivados do sangue do país, a Green Cross Corporation,
contestou fortemente, afirmando que o produto seria uma concorrência desleal (já
que eles se recusavam a explorar alternativas tratadas termicamente).
O produto não foi licenciado, e o Ministério da Saúde japonês agiu ordenando
que os produtos de sangue japoneses não tratados fossem rastreados e que fossem
feitos testes sobre tratamento térmico, incentivando o público a doar sangue.
Enquanto isso, a Green Cross Corporation garantiu a segurança de seus produtos
sanguíneos sem tratamento térmico para os pacientes – um número significativo
dos quais tinha hemofilia – e a decisão foi desastrosa.
Durante este período de tempo, pensa-se que até 2.000 pacientes hemofílicos
contraíram HIV através de produtos sanguíneos contaminados. Funcionários
proeminentes do Ministério de Saúde do país, um médico e executivos da empresa
foram mais tarde acusados de homicídio culposo (sem intenção de matar).
1. Talidomida e defeitos congênitos
O escândalo de distribuição
da
talidomida
dos anos 1950 e início dos anos 1960 deixou um efeito duradouro sobre o
mundo. Lançado como um medicamento sedativo no final da década de 1950, a
talidomida se mostrou eficaz para amenizar os efeitos de ânsia de gravidez. A
droga foi vendida a partir de 1957, mas retirada do mercado em 1962, quando se
descobriu que era capaz de interferir com o desenvolvimento de fetos, causando
defeitos congênitos.
Inicialmente, a talidomida foi considerada uma “droga maravilha”. Na época, o
uso de medicamentos durante a gravidez não era bem regulado. Drogas não eram
devidamente testadas para o possível perigo que representavam para os bebês no
útero. Naquela época, os cientistas nem sequer pensavam que medicamentos tomados
por uma mulher grávida podiam prejudicar o feto em crescimento. Em última
análise, milhares de mulheres grávidas tomaram a talidomida durante seus cinco
anos no mercado – e os efeitos foram horrendos.
Através de 46 países, mais
de 10.000 crianças nasceram com defeitos como focomelia. Este distúrbio
geralmente resulta em anormalidades nos braços e pernas, mas pode também ter um
impacto sobre outras partes do corpo. Só no Reino Unido, cerca de 2.000 bebês
nasceram com defeitos congênitos resultantes da talidomida; cerca de 1.000
morreram dentro de alguns meses, enquanto 466 dos afetados ainda estavam vivos
em 2010. A empresa alemã Grünenthal Group, que criou a droga, emitiu um pedido
de desculpas em 2012, mais de 50 anos depois que a droga começou a ser
vendida.[
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